Biblioteca Braille Dorina Nowill desenvolve trabalho além do tradicional
Em Taguatinga, a ação de voluntários vem mudando a vida de muitas pessoas portadoras de deficiências visuais. Os ledores atuam facilitando a leitura de diversos conteúdos e, dessa forma, ajudam quem apresenta dificuldades a "ver" o mundo como ele é.
Leilane Menezes
Voluntários da Biblioteca Braille Dorina Nowill fazem o papel dos olhos de quem não consegue enxergar. Com muita boa vontade, eles vão até o local, na CNB 1 de Taguatinga, para ler livros de literatura, material didático e até apostilas de concursos públicos para aqueles que perderam — ou nasceram sem — a capacidade de ver. Mais de 10 ledores, como são conhecidos, ajudam na missão de traduzir o mundo e as palavras a quem não conseguiria fazer isso sozinho.
A biblioteca possui um acervo variado, com mais de 2 mil exemplares na escrita adaptada. Oferece ainda por volta de 70 áudios de livros, especialmente de literatura. Mas ainda não é o suficiente para suprir as necessidades dos frequentadores, sedentos por conhecimento. Desde a fundação do espaço, há 15 anos, existem os ledores.
A disposição em ajudar mudou a vida de muita gente. Antes de conhecer esse serviço, o morador de Taguatinga Nivaldo Alves dos Santos, 62 anos, deficiente visual, sentia-se isolado, mal saía de casa. Quando passou a frequentar o espaço, conheceu o braille. Descobriu-se capaz de ler e de escrever, expressar ideias e sentimentos. Com a figura do ledor, ganhou um incentivo para voltar a estudar. Hoje, cursa o ensino médio. “Venho à biblioteca todos os dias. Não me imagino sem isso aqui”, afirmou.
Nivaldo tem dezenas de colegas com a mesma história de mudança para contar. Entre eles, uma família inteira, composta por três deficientes visuais, moradores do Riacho Fundo 2: Noeme, 50 anos, a mãe; Rafael, 50, o pai; e Luiz Felippe, 10, o filho do casal. Todos reforçam os estudos na Biblioteca Braille e em casa, com ajuda de ledores e de materiais elaborados por eles. Os três montam também espetáculos teatrais para apresentar em escolas. Querem promover a inclusão, ao mostrar, por meio da própria história de vida, que o cego é capaz de muitas realizações.
Evolução
Noeme é formada em serviço social e filosofia, além de ter pós-graduação em gestão de pessoas e já pensar em mestrado. O marido, Rafael, cursa o quarto semestre de letras. As monografias e os estudos acadêmicos de Noeme foram facilitados pelo auxílio dos voluntários, assim como ocorre com Rafael agora. “Minhas notas estão entre as melhores da minha sala. Se dependesse de ajuda da faculdade, eu não chegaria tão longe. O voluntariado é muito importante”, relatou Rafael. Um exemplo é Napoleão Queiroz, 51 anos, morador do Guará: além de frequentador, ele se tornou voluntário e ensina aos colegas o que aprendeu em informática. Os deficientes visuais ministram o braille para pessoas que enxergam e que se interessam pelo método.
Quem ajuda também ganha muito. “Eu me sinto mais gente depois que comecei esse trabalho. Descobri que os deficientes visuais não têm barreiras. São corajosos, ágeis”, disse Maria Auxiliadora Sales, 54 anos, professora aposentada e moradora de Taguatinga. Outra ledora, Joselita dos Santos Costa, 69, que vive na mesma cidade, foi até lá para ensinar e acabou aprendendo muito. “Saio daqui engrandecida. Existe uma sensibilidade, uma humanidade rara aqui. É tanta força de vontade. Me encontrei”, contou, emocionada.
Além de ser ledora da biblioteca, Cristiane Moreira, 39 anos, moradora de Samambaia, acompanhada de outras colegas, presta outro serviço voluntário: o de ir até escolas públicas para ler as provas dos alunos. Quando não há tempo ou recurso para imprimir os testes em braille, essa é a única solução.
“Os professores entram em contato com a gente e pedem a ajuda. Nós ligamos e quem estiver disponível vai até os colégios”, relatou uma das fundadoras da Biblioteca Braille, Dinorá Cançado. Outra voluntária, Mery Paiva, 64 anos, já transformou em áudio o conteúdo de diversas apostilas de concursos públicos. Ela também dá aulas de dança para os deficientes visuais. “O importante é não ficar parado, adaptar todas as atividades para que nada pareça inacessível. Enquanto eu gravo os áudios, aprendo. Todo mundo ganha”, avaliou.
Escritores
Muito além da academia, os ledores também ajudam a inserir os deficientes visuais no mundo da literatura, da poesia. Além de ler as histórias de vários autores, eles os incentivam a produzir os próprios textos. E tem dado muito certo. Em 6 de dezembro de 2010, os frequentadores da Biblioteca Braille e outros deficientes visuais lançaram, por meio do projeto Luz & Autor em Braille, o livro Revelando autores em braille.
São 83 escritores que não enxergam, reunidos para mostrar sentimentos, talento e realidade. A Vivo patrocinou a impressão dos livros. “Imprimir 100 exemplares custa R$ 11 mil. Esse projeto não seria possível sem apoiadores”, explicou a coordenadora da biblioteca, Leonilde Fontes.
Rafael, por exemplo, escreveu para a publicação um texto sobre o sonho de voltar a estudar. “Fui alfabetizado depois dos 50 anos. Perdi a visão cedo e interrompi os estudos no 2º ano primário. Só depois de conhecer a biblioteca e os serviços dela é que voltei a estudar. Agora estou na faculdade, rumo à conclusão dos meus sonhos.”
Noeme também é uma das autoras do livro. “Livros em braille custam caro. Por isso, é difícil encontrar. Está sendo ótimo poder mostrar a outros deficientes o nosso trabalho e ler os dos colegas também”, completou. Ela e Rafael se conheceram na Biblioteca Braille.
Voluntariado
Com estrutura física reduzida, não é possível atender vários deficientes visuais ao mesmo tempo. “Trabalhamos em uma sala só, com duas mesas e cadeiras. Ficaria muito barulho, todo mundo lendo junto de uma vez. Acabaria atrapalhando uns aos outros”, atentou Leonilde Fontes.
Assim, quem está disposto a doar-se como ledor, mas não tem tempo ou não quer ir até Taguatinga, pode ajudar sem sair de casa. “Sempre precisamos de gente para ler e gravar em arquivo de computador o conteúdo de várias publicações. É muito simples, o programa de computador é gratuito e muito fácil de usar”, ensinou Leonilde. A Biblioteca Braille é assim: uma rede de conhecimentos onde todos são capazes de ajudar. Ali, o conhecimento e o ser humano estão sempre em expansão.
Voluntários da Biblioteca Braille Dorina Nowill fazem o papel dos olhos de quem não consegue enxergar. Com muita boa vontade, eles vão até o local, na CNB 1 de Taguatinga, para ler livros de literatura, material didático e até apostilas de concursos públicos para aqueles que perderam — ou nasceram sem — a capacidade de ver. Mais de 10 ledores, como são conhecidos, ajudam na missão de traduzir o mundo e as palavras a quem não conseguiria fazer isso sozinho.
A biblioteca possui um acervo variado, com mais de 2 mil exemplares na escrita adaptada. Oferece ainda por volta de 70 áudios de livros, especialmente de literatura. Mas ainda não é o suficiente para suprir as necessidades dos frequentadores, sedentos por conhecimento. Desde a fundação do espaço, há 15 anos, existem os ledores.
A disposição em ajudar mudou a vida de muita gente. Antes de conhecer esse serviço, o morador de Taguatinga Nivaldo Alves dos Santos, 62 anos, deficiente visual, sentia-se isolado, mal saía de casa. Quando passou a frequentar o espaço, conheceu o braille. Descobriu-se capaz de ler e de escrever, expressar ideias e sentimentos. Com a figura do ledor, ganhou um incentivo para voltar a estudar. Hoje, cursa o ensino médio. “Venho à biblioteca todos os dias. Não me imagino sem isso aqui”, afirmou.
Nivaldo tem dezenas de colegas com a mesma história de mudança para contar. Entre eles, uma família inteira, composta por três deficientes visuais, moradores do Riacho Fundo 2: Noeme, 50 anos, a mãe; Rafael, 50, o pai; e Luiz Felippe, 10, o filho do casal. Todos reforçam os estudos na Biblioteca Braille e em casa, com ajuda de ledores e de materiais elaborados por eles. Os três montam também espetáculos teatrais para apresentar em escolas. Querem promover a inclusão, ao mostrar, por meio da própria história de vida, que o cego é capaz de muitas realizações.
Evolução
Noeme é formada em serviço social e filosofia, além de ter pós-graduação em gestão de pessoas e já pensar em mestrado. O marido, Rafael, cursa o quarto semestre de letras. As monografias e os estudos acadêmicos de Noeme foram facilitados pelo auxílio dos voluntários, assim como ocorre com Rafael agora. “Minhas notas estão entre as melhores da minha sala. Se dependesse de ajuda da faculdade, eu não chegaria tão longe. O voluntariado é muito importante”, relatou Rafael. Um exemplo é Napoleão Queiroz, 51 anos, morador do Guará: além de frequentador, ele se tornou voluntário e ensina aos colegas o que aprendeu em informática. Os deficientes visuais ministram o braille para pessoas que enxergam e que se interessam pelo método.
Quem ajuda também ganha muito. “Eu me sinto mais gente depois que comecei esse trabalho. Descobri que os deficientes visuais não têm barreiras. São corajosos, ágeis”, disse Maria Auxiliadora Sales, 54 anos, professora aposentada e moradora de Taguatinga. Outra ledora, Joselita dos Santos Costa, 69, que vive na mesma cidade, foi até lá para ensinar e acabou aprendendo muito. “Saio daqui engrandecida. Existe uma sensibilidade, uma humanidade rara aqui. É tanta força de vontade. Me encontrei”, contou, emocionada.
Além de ser ledora da biblioteca, Cristiane Moreira, 39 anos, moradora de Samambaia, acompanhada de outras colegas, presta outro serviço voluntário: o de ir até escolas públicas para ler as provas dos alunos. Quando não há tempo ou recurso para imprimir os testes em braille, essa é a única solução.
“Os professores entram em contato com a gente e pedem a ajuda. Nós ligamos e quem estiver disponível vai até os colégios”, relatou uma das fundadoras da Biblioteca Braille, Dinorá Cançado. Outra voluntária, Mery Paiva, 64 anos, já transformou em áudio o conteúdo de diversas apostilas de concursos públicos. Ela também dá aulas de dança para os deficientes visuais. “O importante é não ficar parado, adaptar todas as atividades para que nada pareça inacessível. Enquanto eu gravo os áudios, aprendo. Todo mundo ganha”, avaliou.
Escritores
Muito além da academia, os ledores também ajudam a inserir os deficientes visuais no mundo da literatura, da poesia. Além de ler as histórias de vários autores, eles os incentivam a produzir os próprios textos. E tem dado muito certo. Em 6 de dezembro de 2010, os frequentadores da Biblioteca Braille e outros deficientes visuais lançaram, por meio do projeto Luz & Autor em Braille, o livro Revelando autores em braille.
São 83 escritores que não enxergam, reunidos para mostrar sentimentos, talento e realidade. A Vivo patrocinou a impressão dos livros. “Imprimir 100 exemplares custa R$ 11 mil. Esse projeto não seria possível sem apoiadores”, explicou a coordenadora da biblioteca, Leonilde Fontes.
Rafael, por exemplo, escreveu para a publicação um texto sobre o sonho de voltar a estudar. “Fui alfabetizado depois dos 50 anos. Perdi a visão cedo e interrompi os estudos no 2º ano primário. Só depois de conhecer a biblioteca e os serviços dela é que voltei a estudar. Agora estou na faculdade, rumo à conclusão dos meus sonhos.”
Noeme também é uma das autoras do livro. “Livros em braille custam caro. Por isso, é difícil encontrar. Está sendo ótimo poder mostrar a outros deficientes o nosso trabalho e ler os dos colegas também”, completou. Ela e Rafael se conheceram na Biblioteca Braille.
Voluntariado
Com estrutura física reduzida, não é possível atender vários deficientes visuais ao mesmo tempo. “Trabalhamos em uma sala só, com duas mesas e cadeiras. Ficaria muito barulho, todo mundo lendo junto de uma vez. Acabaria atrapalhando uns aos outros”, atentou Leonilde Fontes.
Assim, quem está disposto a doar-se como ledor, mas não tem tempo ou não quer ir até Taguatinga, pode ajudar sem sair de casa. “Sempre precisamos de gente para ler e gravar em arquivo de computador o conteúdo de várias publicações. É muito simples, o programa de computador é gratuito e muito fácil de usar”, ensinou Leonilde. A Biblioteca Braille é assim: uma rede de conhecimentos onde todos são capazes de ajudar. Ali, o conhecimento e o ser humano estão sempre em expansão.
Fonte: Correio Braziliense
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